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  • Por Icaro Couto

Linguagens iconográficas têm efeito de sentido mais imediato

Cartunistas brasileiros usam seus desenhos para defender causas e fazer críticas sociais

O chargista Marcel Melfi em sua mesa de trabalho (Créditos: Marcel Melfi)

Críticas políticas e sociais em forma de desenhos, quadrinhos, cartuns e charges utilizam a linguagem iconográfica para para fazer reflexões, denúncias ou, simplesmente, alfinetar. O chargista Marcel Camargo Melfi é um desses profissionais que fazem do desenho crítico o seu ganha pão. Formado em Design Digital, pela Universidade Anhembi Morumbi, Melfi trabalhou muitos anos com Publicidade, até abrir seu próprio estúdio, chamado Estúdio Toonicado.

Marcel é também o criador de um projeto chamado Estrela Plana da Morte - uma sátira à franquia de filmes Star Wars, criada por George Lucas e produzida por Steven Spielberg. Na história, idealizada pelo chargista, os personagens originais da franquia são trocados por diversos youtubers. Os representantes da extrema-direita são colocados no papel de vilões e os progressistas e de alinhamento mais a esquerda são retratados como os mocinhos da trama.

“Os personagens são combinados com os youtubers de acordo com alguma piada que se encaixe. Por exemplo, a cena que o R2D2 exibe um holograma da Princesa Leia para o Obi Wan Kenobi. Imaginei que seria engraçado ser o Felipe Neto pedindo pra reagir a um vídeo como faz em seu canal”, explica Melfi.

O desenhista afirma que: “o nome resistência me remeteu à serie de filmes Star Wars e daí comecei a desenvolver uma paródia envolvendo todos esses personagens e situações”, conta. O autor também revela que a ideia de criar esse trabalho veio do fato dele sempre estar acompanhando diariamente diversos canais do Youtube e assim acabou por se inteirar das famosas “tretas virtuais”.

Marcel diz que ficou inconformado com as atitudes de bullying virtual que o youtuber conservador Nando Moura fazia com aqueles que discordam de suas opiniões e ideologias políticas. Ainda de acordo com ele “o youtuber PC Siqueira começou um movimento chamado de “Resistência”, que consiste em uma galera formada em História, Física, Biologia, Filosofia entre outras áreas, questionarem as inúmeras conspirações malucas que esses Bullies espalhavam pela rede”.

Devido a sua página no Instagram ainda ser muito pequena, o chargista fala que quase não teve ataque de haters e pessoas que apoiam os youtubers ali satirizados como vilões (até o momento). Porém, ele imagina que o número de ataques pode eventualmente crescer conforme seu projeto fica mais conhecido e atrai mais seguidores. “O hate é esperado, afinal, quem eu preciso atingir é justamente quem não compartilha da minha visão e, quem sabe, pensar e refletir nos absurdos que acabou de ler” diz o autor. Tudo o que é postado é produzido pelo próprio Melfi, que explica que as tirinhas tê, seguido a ordem cronológica dos filmes do Star Wars.

“Eu abro o filme no meu computador e vou, cena por cena, tentando achar piadas que caberiam na história” diz ele. Entretanto, Marcel explica que não há roteiro. “Eu simplesmente deixo aberto os 8 quadros em uma tela de Photoshop nos padrões que defini e rabisco em cima até que a piada fique engraçada, depois faço arte final, balões de texto e então, posto no Twitter e Instagram”.

O autor afirma que recebe apoio da maioria dos youtubers que viraram personagens (do bem) na sua história. Eles conversam no privado com ele. Mutos ali preferem não se expor para evitar problemas legais, já outros compartilham e ajudam a divulgar o trabalho por conta própria. Segundo ele “não recebi nenhuma crítica deles, estão aceitando as brincadeiras e se divertindo”.

Ao ser questionado sobre o impacto que o humor em quadrinhos pode ter numa sociedade tão politicamente polarizada, Melfi opina que o humor sempre foi uma arma importante para expor os absurdos da política e da sociedade no geral.

“Acredito que meu trabalho de humor possa abrir os olhos para os absurdos que são ditos de forma tão séria que parecem verdades absolutas, mas que no fundo não passam de teorias malucas de conspiração”, aponta.

A cartunista curitibana Pryscila Vieira, formada em Desenho Industrial pela PUC-PR, e criadora da personagem Amely, também faz do seu trabalho uma ferramenta de crítica social, mesmo que de forma involuntária, segundo ela mesma. “Quando a criei, sequer pensei que de alguma forma teria algum impacto na sociedade, tampouco tive essa intenção deliberada. Amely foi criada despretensiosamente, para dar vazão aos meus sentimentos relativos ao fim de um relacionamento ruim”, afirma a autora. Após brigar com um ex-namorado extremamente machista, Pryscila lhe disse: “Se não quer conversa com mulher de verdade, fique com uma boneca inflável que não pensa!”. O relacionamento terminou e foi daí que a autora tirou a ideia de criar a icônica e irreverente bonequinha.

Confira abaixo uma galeria com mais imagens dos trabalhos desses dois artistas:

Amely é descrita como uma boneca inflável que foi encomendada por Zero, um homem que nunca se deu bem com mulheres. Para desgosto do comprador a boneca que deveria ser inanimada, é entregue com alguns "defeitinhos" de fabricação: ela pensa, sente e fala, como qualquer mulher de verdade. Ao constatar isso, Zero tenta devolvê-la à fábrica, inutilmente. Sem outra opção, eles passam a interagir e a explanar dilemas universais dos relacionamentos. Em 2019, a personagem vai completar 14 anos.

Segundo Pryscila, a alguns anos atrás as pessoas eram mais curiosas do que reprovadoras. “Podiam achar algo repulsivo, mas tinham interesse em conhecer antes de julgar”. A autora ainda completa, dizendo que nos dias de hoje a maioria das pessoas julgam algo pela capa e emitem opiniões travestidas de informações que desconhecem. “De qualquer maneira, nunca sofri (nem sofro) por causa do meu trabalho. Se teve “hate” eu não lembro. Tenho o bom hábito de valorizar e ficar feliz com as análises positivas e críticas construtivas de quem me dá a honra de seu tempo de leitura”, finaliza.

A cartunista revela que não gosta de fazer humor por causas específicas. Apesar de ser feminista, Priscila diz que só por isso não é obrigada a ser uma militante da causa. Segundo ela essa cobrança é inclusive um tanto chata: “Prefiro que naturalmente o trabalho seja acolhido no lugar que lhe convier, pode ser um lugar social, pode ser político. Mas também, pode ser apenas humor ou novas ideias que sequer têm lugar ainda”.

A desenhista acredita que o papel de usar os quadrinhos aliados ao humor para fazer críticas políticas é dos humoristas políticos, os chargistas: “São historiadores gráficos que resumem milhões de palavras implícitas num desenho”. Pryscila explica que o chargista deve observar a história de forma imparcial e criticar tudo e a todos que mereçam. "Eu vi cartunistas mudando a história, como o Henfil, por exemplo, com o "Diretas já", categoriza. A criadora de Amely, também revela crer que está difícil achar alguém que expresse em nanquim (e photoshop) a vontade de uma nação, já que estamos muito divididos. Ela se diz ansiosa para ler os livros de história no futuro em busca das charges políticas que estarão neles.

Pryscila Vieira também desenha para uma ONG de palhaços de hospital, para ONGs de resgate animal e criou uma turminha de personagens para construção do novo Hospital Oncopediátrico Erastinho. Segundo ela, tais causas são palpáveis, com objetivos bem definidos. Já a causa feminista estaria implícita no seu trabalho.

De maneira semelhante a Marcelo, Pryscila também desenha e roteiriza o próprio trabalho sozinha, sem auxílios externos. Para o futuro, diz que talvez haja uma adaptação física da sua personagem destinada ao teatro ou cinema. Já quanto à adaptação ideológica, a autora fala que os personagens assim como as pessoas também mudam. Porém, o que foi desenhado ficará para sempre impresso no passado.

Um ponto de vista especializado

Segundo Ricardo Bagge, chargista, graduado em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda pela Fundação Educacional do Município de Assis e com especialização em Comunicação Popular e Comunitária pela Universidade Estadual de Londrina, a crítica social e política através do humor pode ser um instrumento de agitação e propaganda de forma a “talvez, tirar a pessoa de um estado alienado”.

Ao ser perguntado sobre os motivos das pessoas muitas vezes terem mais facilidade de entender uma crítica política/social numa tirinha do que numa matéria complexa de jornal, Bagge diz que “a linguagem do desenho de humor é propositalmente direta, ela quer causar um efeito imediato no leitor. Ou seja, vai direto ao ponto”. Ricardo explica que atualmente há muita gente fazendo desenho de humor sem necessariamente precisar de um jornal ou revista para que o trabalho seja publicado e segundo o chargista isso é algo positivo.

“Dependendo do jornal o cartunista não poderia publicar o que quisesse. Hoje o chargista tem sua própria plataforma e seu apoiadores, então ele fica mais livre para caprichar no escárnio”, opina. O desenhista também cita uma frase do célebre escritor Millôr Fernandes que diz: “O homem é o único animal que ri e é rindo que ele mostra o animal que realmente é”. Segundo Bagge, a frase traduz bem sobre como a sociedade pode mudar e evoluir através do humor.

Para o chargista, pessoas estão ficando sérias demais e se preocupando com uma possível honra que, apesar de tão arduamente defendida, no final não seria nada. “Acho que o humor não se deve ser levado a sério e é exatamente nesse momento podemos nos tornar pessoas melhores”, aponta.

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