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  • Por Liliane Jochelavicius

Uso de drogas causa danos permanentes

Para o especialista, a única forma de evitar a dependência é não usar substâncias que causam vício

O dependente químico cria explicações racionais para justificar o uso da substância. (Crédito: Liliane Jochelavicius)

Os diferentes tipos de drogas têm efeitos específicos no corpo humano, entretanto têm em comum o fato de gerarem uma alteração cerebral, como explica o psiquiatra, especialista em dependência química, Ricardo Manzochi Assme. O médico conta que no sistema límbico há três áreas: tegmental ventral, núcleo accumbens e córtex pré-frontal. Essas áreas do cérebro são responsáveis pela sensação de prazer causada no indivíduo. As drogas causadoras de dependência afetam o núcleo accumbens, substituindo os prazeres naturais pelos provocados pela substância usada.

O córtex pré-frontal passa a diminuir o comando que ele tem sobre o núcleo accumbens e o prazer se torna muito grande. A pessoa perde o domínio sobre seu comportamento, o córtex pré-frontal é o “cérebro pensante”, esclarece Assme. Isso acontece com as pessoas dependentes, pois é possível usar drogas e não ser dependente. Ao mesmo tempo, o médico declara que a única prevenção ao vício é não usar substâncias que possam causá-lo. Veja esquema das áreas do cérebro afetadas.

Desenho do cérebro mostra as áreas afetadas pelo uso de drogas. (Crédito: Liliane Jochelavicius)

A potencialidade de causar vício varia entre as diferentes drogas, por exemplo, o álcool é muito usado mas, segundo o médico, apenas 10% das pessoas que usam são dependentes. Já o cigarro e a cocaína causam muito mais dependência. A adição é definida por um uso compulsivo e acima do desejado, em quantidade e período de tempo, além da incapacidade de parar.

Na maioria dos casos, quando a pessoa descontinua ou diminui o uso da substância, ela tem síndrome de abstinência, apresentando sintomas físicos e psicológicos. A terapeuta ocupacional Michele Nilo, que trabalha com dependência química desde 2007, ressalta que a dependência química não tem cura, a pessoa se mantém abstinente. Assme esclarece que isso está ligado às alterações cerebrais que são para o resto da vida. Parar o uso das drogas é mais fácil no início, quando a pessoa está motivada; depois de um tempo abstinente o dependente começa a perceber que pode ter novo contato com a substância, o que pode levar a uma recaída.

Sintomas da dependência química

O usuário começa a apresentar mudanças de comportamento ao se tornar dependente químico. Assme fala que pode haver um afastamento em relação à família, já que em períodos de intoxicação o usuário vai tentar evitar que essas pessoas percebam que usou a droga. Depois de começar o uso pode ficar irritadiço, deprimido e apresentar mudanças de humor. Também vai haver mudanças sociais, pois vai passar a conviver com usuários de drogas.

Em pessoas mais jovens, a gravidade dos danos devido ao uso de drogas é maior. Assme destaca que o uso de maconha por menores de 18 anos pode causar uma perda de seis pontos de QI. Em todas as idades há a possibilidade de provocar uma taxa alta de psicose, que pode se tornar crônica, além de ataques de pânico. Em 2010, o Observatório Brasileiro de Informações Sobre Drogas fez o I levantamento nacional sobre o uso de álcool, tabaco e outras drogas entre universitários das 27 capitais brasileiras. Veja alguns dos dados levantados na tabela abaixo.

Tabela com a porcentagem de uso de drogas por universitários. (Fonte: OBID/SENAD/ Crédito: Liliane Jochelavicius)

Verônica*, 33 anos, usou maconha pela primeira vez aos 16 e não gostou, mas continuou esporadicamente para se enturmar. Aos 23 anos passou a fumar ao menos uma vez por dia, mas nunca comprou a droga, usava sempre com amigos. Quando adquiriu a substância pela primeira vez tinha 31 anos e passou por um ataque de ansiedade. Isso fez com que percebesse ser o momento de parar o uso. Com o passar do tempo, ela percebeu que, quando fumava, ficava mais triste, ansiosa, medrosa e parecia que tudo dava errado.

Michele Nilo destaca a importância da relação com a família para o tratamento do dependente. Muitas vezes, quem faz uso mais intenso de drogas perde esse vínculo, quando há tal desligamento o tratamento enfrenta mais dificuldades. Por isso, é importante perceber o que está acontecendo.

O psiquiatra concorda com a importância da família no tratamento, mas ressalta que ela não pode ser codependente. Deve dar apoio ao tratamento e não ao uso, o que acontece, por exemplo, quando a pessoa gasta muito em drogas e os pais continuam dando “mesada”. A família precisa dar apoio, mas não é necessário que viva pelo dependente. Michele também fala que a codependência de familiares pode acabar prejudicando a manutenção da abstinência. Por melhor que seja a intenção, às vezes, a própria família já se encontra adoecida.

Em gestantes os efeitos vão variar de acordo com a droga usada. O tabaco provoca diminuição de peso; a cocaína e o crack ainda mais. De modo geral, o bebê vai nascer dependente, pois usa a droga junto com a mãe, por meio da circulação placentária. Ele vai ter uma síndrome de abstinência ao nascer, saliente Assme, apresentando irritabilidade, além de baixo peso causado pelo estreitamento das artérias placentárias. No desenvolvimento dessa criança pode haver alterações cerebrais, como déficit de atenção ou cognitivo.

O médico dá ênfase ao fato de que a droga que mais faz mal na gestação é o álcool. É a maior causa de retardo mental no Ocidente, além de poder causar má formação do lábio, do nariz e de membros, chamada Síndrome Alcoólica Fetal.

Comportamentos precisam ser revistos

Para Assme, o hábito é sobrevalorizado em nossa cultura, sendo que na dependência química sua relevância é pequena. A substância promove a racionalização do uso, quando passa a atribuí-lo a fatores externos, como o estresse no trabalho. Ou vai promover uma negação ou projeção, quando diz que não fuma duas carteiras de cigarro, apenas uma, ou que o outro não usa porque não passa pelos mesmos problemas.

Essas reações também se devem em parte ao uso da droga que tira um pouco do raciocínio complexo e ao prazer causado pelo uso da substância. Por outro lado, alterar a rotina é importante para parar o uso de drogas. Substituir o uso das drogas por hábitos mais saudáveis, as pessoas com quem convive fazendo um afastamento de outros usuários.

Afastar-se dos amigos que usavam maconha foi necessário para Verônica. Como eles eram a maioria, já que fumou por muitos anos, passou a sentir-se muito sozinha, essa foi uma das dificuldades enfrentadas. Agora já não consegue conversar com eles como antigamente, pois percebe os malefícios da droga, como falta de continuidade no raciocínio ou trocas de assunto no meio da frase. Ela lembra que, no início, a maconha ajudava na produção criativa, mas, no final, a situação se inverteu, pois passou a ter ideias de perseguição.

Ao ver os amigos, a memória deles estimula automaticamente o núcleo accumbens, explica Assme. Quando encontra com o amigo, é como olhar para a droga, a pessoa tem um estímulo de prazer premonitório. Ele predispõe o dependente ao uso. Por isso, essa necessidade de afastamento de antigos vínculos. O que também relata Michele Nilo, que, por meio da Terapia Ocupacional, usa uma atividade como recurso terapêutico para ressignificar e ampliar as tarefas realizadas pelos pacientes.

*Nome fictício, pois a fonte não quis ser identificada.

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