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  • Por Camila Mattiollo

Teatro de bonecos: arte milenar que encanta

A história por trás da criação das marionetes e dos espetáculos

Teatro Dr. Botica, no shopping Estação, possui espaço para 100 espectadores e possui um mini teatro, Janela do Teatro, aberto ao público com curtas apresentações de aproximadamente 10 minutos. (Crédito: Camila Mattiollo)

O teatro de bonecos tem uma longa caminhada por todo o mundo. No Brasil, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconheceu o Teatro de Bonecos Popular do Nordeste como patrimônio cultural do país em março de 2015.

Em Curitiba, o teatro de bonecos mais conhecido é o Dr. Botica, localizado na entrada do Shopping Estação. A iniciativa é do Grupo Boticário para preservar e difundir a arte do teatro de bonecos, e auxiliar na formação de profissionais. Hoje é administrado pela Fundação Cultural de Curitiba e está incluído no roteiro cultural do município.

A bonequeira Alyne Rocha, que trabalha com bonecos desde 1996, se apresentou no teatro Dr. Botica, com a peça “A Menina do Mundo da Lua”, que conta a estória de uma menina que olha para o mundo do jeito dela, onde tudo é possível. Ela conta que, ao longo do tempo, seu repertório foi mudando e seu olhar e a relação com o boneco ganharam cada dia mais nuances. Hoje, diz ter um entendimento da cena, da importância e capacidade de comunicação que o boneco exerce no espectador que não tinha no começo.

Responsável pelo texto, criação de figurino, cenário e bonecos, Alyne relata que, quanto mais experiência se adquire, mais fácil é a interação com o público e que a plateia sempre pode surpreender, o que para o artista é maravilhoso. Ainda explica que, para ela, é muito difícil não interagir com o público, mas, em alguns momentos, essa interação pode interferir de maneira negativa no espetáculo.

A cada dia que trabalha com os bonecos descobre infinitas possibilidades e pode criar novas relações entre eles e a plateia. “Acho que qualquer adjetivo utilizado é incapaz de descrever a sensação de satisfação que o teatro me provoca. Para mim, cada encontro com esta linguagem me eleva e me insere no mundo. Felicidade pura!”, relata.

Encenação de bonecos com manipulação indireta ou técnica de hastes. (Crédito: Divulgação/Alyne Rocha)

Apaixonada pela arte e por contar estórias, não apenas para seus filhos, mas também para aqueles que apreciam a arte, Tadica Veiga e Joelson Cruz iniciaram a Companhia dos Ventos há 23 anos. Ela conta que começaram com o espetáculo “Sonhos”, que se transformou em um grande projeto, denominado “O Boneco e a Sociedade”. O início foi em Antonina e depois foi implantado em São José dos Pinhais, onde permaneceu durante 10 anos, deixando profissionais através da Escola Livre de Teatro, Museu do Boneco Animado e Carnaval de Bonecos.

Tadica ressalta que trabalhar com os bonecos é, em primeiro lugar, uma paixão - e depois uma profissão. A dedicação à arte milenar é de 24 horas por dia, 365 dias por ano. Além de trabalhar em seus projetos e para outras companhias, os artistas confeccionam bonecos sob encomenda e participam de projetos especiais, como a criação de mascotes para o bloco pré-carnavalesco Garibaldi e Sacis, de Curitiba. São confeccionados também bonecos de oficinas para escolas, shoppings e empresas. Ela conta que estão sempre dispostos a novas experiências, projetos e desafios na arte de encantar o público.

Boneco gigante confeccionado pela Cia do Ventos. (Crédito: Divulgação/Cia dos Ventos)

O início foi a partir de uma releitura do quadro original do Abaporu, em uma mostra de obras da Tarsila do Amaral, a Companhia Articularte, localizada em São Paulo, e hoje a companhia já tem 18 anos. “Começamos com a Trilogia Modernista, sempre com montagens abertas e nunca didáticas. Não era nosso intuito ensinar sobre Tarsila do Amaral, Cândido Portinari ou Heitor Villa-Lobos. Queríamos contar sentimentos, aventuras, animações, comportamentos do ser humano com suas emoções, perigos, quedas, vitórias, graça, humor”, diz Dario Uzam, responsável pela companhia. Uzam afirma que tudo isso está atrelado a um fundo cultural não obrigatório e, dessa forma, a companhia está traçando seu caminho.

O teatro de bonecos traz divertimento para aqueles que o assistem e para quem o constrói, além de ser desafiador, declara Uzam. As crianças falam sem medo do que gostam ou não em qualquer momento do espetáculo e esse é um dos melhores públicos que existem: sincero e vivo. Ele também relata que procuram desenvolver projetos com pesquisas e bases culturais fortes, para que cada montagem seja estruturada em várias camadas para não ficar enjoativo.

Os espetáculos

Dario Uzam e Surley Valério trabalham com bonecos há 18 anos. Nesse tempo, aprenderam os detalhes da animação e hoje conhecem bastante a técnica, mas não se julgam doutores na arte e sempre procuram buscar novos desafios. “Nunca copiamos uma estrutura feita anteriormente. Isso no teatro feito de verdade ou de forma digna, não existe, não pode existir, porque sempre vai resultar em cenas mórbidas”, conta Uzam.

Ao longo dos anos, eles ressaltam que alguns espetáculos tiveram grandes mudança, mas o mais antigo, “A Cuca Fofa de Tarsila”, teve apenas uma alteração em 17 anos. Outros espetáculos que tiveram pequenas alterações foram “O Trenzinho Villa-Lobos” e “Portinari Pé de Mulato”, que compõem a Trilogia Modernista, desenvolvida pela Articularte. Uzam diz que em junho ou julho haverá a estreia de um novo espetáculo chamado “Menino Coragem”, abordando refugiados e crianças, trata-se de uma aventura com crianças que se perdem dos pais e no final dá tudo certo. Uzam também ressalta que gostam de trabalhar os temas sempre de forma aberta.

Na preparação para o espetáculo, as ideias são apontadas e a viabilidade delas é checada; depois, em grupo, as ideias são ouvidas e criticadas, seguidas da realização de um esboço do roteiro, onde as cenas começam a se desenvolver de forma colaborativa. Dessa forma, o dramaturgo sugere, os atores processam improvisos e ensaios, para verificar o gênero de determinada ideia, até a chegada das primeiras escrituras de cenas, conta Uzam.

Os espetáculos se diferenciam a cada temporada, pois o público também é modificado, diz Tadica Veiga, que já trabalha há 35 anos com bonecos. A bonequeira diz que a cada montagem, novos atores manipuladores são convidados para o desenvolvimento das histórias.

Cia dos Ventos sobe ao palco para uma de suas apresentações. (Crédito: Divulgação/Cia dos Ventos)

A última montagem da Cia dos Ventos foi o espetáculo “Os Artistas”, destinado a adolescentes e adultos, e a próxima será “O Tesouro Macabro do Capitão”, que está em fase desenvolvimento. “Nossa inspiração para essa apresentação foi durante as temporadas do espetáculo “A Casa dos Contadores de História”, onde as crianças enlouqueciam quando perguntávamos se queriam histórias de amor ou de terror, e o terror ganhava em disparada. Quando assistimos à animação “Os Piratas”, achamos que seria um bom argumento para um espetáculo infantil e divertido falar de terror com muito humor”, relata Tadica.

A bonequeira Alyne Rocha diz não ver grandes mudanças em relação aos temas para peças, pois normalmente são universais, o que muda são as formas de apresentá-los. Ela diz que tem o exercício de escrever em um bloco de anotações ideias diversas que nem sempre se desenvolvem, mas que a prática de tirar da cabeça e colocar num papel ajuda na reflexão sobre a ideia.

Normalmente, Alyne diz escolher uma ideia inicial, desenvolver um roteiro básico e as cenas vão sendo criadas nos ensaios. No início do processo, há o boneco, que, na maioria das vezes, não possui ainda o acabamento final, mas que já tem essência. O boneco ajuda no enriquecimento das cenas e muitas descobertas acontecem durante a brincadeira na manipulação, explica.

Criação dos bonecos

Alyne ressalta que existem diversas técnicas de confecção e a que mais utiliza é a escultura em isopor. “Para que essa escultura tenha resistência são aplicadas diversas camadas de papelagem e os detalhes são feitos com massa de papel machê. Para o acabamento, utilizo massa e tinta acrílica para a pintura”.

Já quanto à inspiração para a criação, a bonequeira diz que tudo depende da ideia inicial e do público a ser atingido. Na maioria das vezes, cria o roteiro baseado em um assunto que acredita ser relevante e este é apresentado a outros profissionais envolvidos para que ressaltem os pontos negativos e positivos. Essas influências não são “verdades absolutas” e durante o processo de criação as ideias dos outros profissionais são discutidas e, se pertinentes, inseridas na criação.

Materiais usados para a confecção dos bonecos. (Crédito: Divulgação/Ayne Rocha)

A Cia dos Ventos possui vários bonecos com materiais diferentes, como isopor, papel, papelão, arame, sucata e o que a imaginação permitir. Também faz uso de técnicas como bonecos de luva, vara, marionetes, gigantes, de sombra, manipulação direta ou uma técnica mista.

A cada espetáculo a inspiração vem de uma forma diferente, mas o foco principal é cativar o público, afirma Tadica Veiga. “Gostamos muito de trabalhar com os contos clássicos como “Chapeuzinho Vermelho”, “Os Três Porquinhos”, “A Roupa Nova do Rei”, entre outros, mas também contamos histórias de autores contemporâneos como “O Sapo e o Cisne”, “O Jacaré que Comeu a Noite”, etc”.

Boneco feito em gesso pela Cia dos Ventos. (Crédito: Divulgação/Cia dos Ventos)

Já a principal técnica da Articularte é a animação direta, onde os atores manipuladores pegam diretamente os bonecos, Porém, também é comum serem usadas manipulações indiretas, baseadas nas técnicas de hastes. A companhia possui hoje mais de 250 bonecos, todos feitos artesanalmente pela bonequeira nativa do grupo, Surley Valério, que carcacteriza a personalidade e os detalhes pedidos pelo boneco.

A inspiração para a criação dos bonecos, cenas e adereços surge a partir do tema, mas sempre é preciso pesquisar bem e prestar atenção nos detalhes, ressalta Dario Uzam. “Dentro de cada tema, existe um mundo a ser descoberto, basta ficar atento aos detalhes. Isso também vale para roteiros, cenários e figurinos. Por isso, é importante contatar figurinista, cenógrafo, sonoplasta desde cedo, em cada montagem de novo espetáculo. Se deixarmos para a última hora, sempre fica tudo mais perigoso e desconectado, desamarrado”.

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