Pessoas com autismo sentem maior impacto negativo durante a pandemia
- Nicole Gomes da Silva
- 2 de dez. de 2021
- 5 min de leitura

Símbolo do autismo. Imagem: Domínio Público.
Desabilidade em socialização, hipersensibilidades sensoriais como barulhos e cheiros, inadaptabilidade, dificuldade em se expressar e se comunicar. Estes são apenas alguns exemplos de situações que estão possivelmente presentes na vida da pessoa com autismo. Os sintomas podem variar de pessoa para pessoa. Mas, em geral, uma questão que preocupou familiares e portadores do Transtorno do Espectro Autista (TEA) foram os impactos da pandemia de Covid-19.
Para as pessoas com TEA, as medidas de proteção podem implicar em muitos pontos negativos. Com o desequilíbrio da rotina da população, muitos hábitos ruins surgiram. O aumento de exposição a telas (celular, notebook etc), sono desregulado, má alimentação, sedentarismo, dessocialização, horários “bagunçados”. Essa realidade trouxe ou agravou casos de ansiedade, depressão, insônia, raiva, solidão, estresse, medo, tédio e outros.
Embora as pessoas neurotípicas (pessoas sem autismo) também possuam muitas dessas dificuldades na vida cotidiana, essa situação se agrava ainda mais para as pessoas com o autismo. Uma simples e pequena mudança de rotina (como passar por uma rua diferente) pode causar muita desordem, ansiedade, estresse.
A dificuldade de se relacionar com outras pessoas já é natural em suas vidas. Na atual pandemia, com a quarentena, distanciamento social, interrupção de tratamentos médicos ou modificação da forma do tratamento (consultas no formato online), entre outras drásticas mudanças, é possível que tenha ocorrido um retrocesso no desenvolvimento do portador do autismo. Por isso, é preciso acompanhamento e mais atenção para que o autista lide melhor com a situação atual.
Dificuldade na EAD
A escola estimula a rotina equilibrada, bons hábitos e a aprendizagem em si. Com a situação pandêmica, elas foram fechadas e o ensino passou a ser online. Com a mudança forçada de modalidade, os indivíduos tiveram que se adaptar ao ensino remoto. Porém, apesar da praticidade e conforto vindos pelo ensino a distância, muitas pessoas não gostam e não conseguem se concentrar para entender os conteúdos trazidos através desta modalidade.
O adolescente Rafael Gomes da Silva, de 12 anos, estudante do ensino fundamental e portador do autismo expressa suas dificuldades em lidar com o ensino a distância e outros momentos da pandemia. “A minha dificuldade na pandemia foi ter que ficar usando máscara, nem consigo prestar atenção direito nas aulas online, e também prefiro presencial”, conta ele.
Rafael foi diagnosticado com seis anos de idade, após vários laudos médicos errados ao longo de sua infância. Hoje ele é estimulado com várias atividades que favorecem seu desenvolvimento.
Dessocialização
O convívio social foi assustadoramente prejudicado, principalmente no início do surto pandêmico. Apesar de já ter se passado mais de um ano desde que a doença foi classificada como gravíssima, ainda há muito sofrimento por conta de uma socialização anormal.
Rian Moreira Marques, 21 anos, estudante de jornalismo e portador do TEA, conta como tem sido sua experiência com relação ao convívio social durante a pandemia.
A rotina com TEA
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), há cerca de 70 milhões de pessoas com autismo no mundo. No Brasil, esse número deve chegar aos 2 milhões. O TEA é um transtorno no neurodesenvolvimento que afeta as habilidades comportamentais e o desenvolvimento do indivíduo. Essa condição não tem aparência física e não há nenhum sinal exterior que revele o transtorno. Por esse motivo, pode haver dificuldade na percepção de que uma pessoa tenha autismo ou não.
Os comportamentos atípicos também divergem de acordo com o grau da deficiência. Segundo o DSM-V (manual que define como são realizados os diagnósticos de transtornos mentais), o transtorno do espectro autista pode ser classificado em três níveis. Grau um (leve), grau dois (moderado) e grau três (severo).
A condição autista possui graus diferentes, o que quer dizer que cada pessoa que está dentro do espectro, sente os efeitos do autismo em intensidades diferentes. O primeiro grau é leve e também chamado de alta funcionalidade, porque a pessoa apresenta mais independência e necessita menos de atenção profissional. No segundo grau (ou moderado), a condição é mais grave e aparente. O indivíduo possui maiores dificuldades na socialização e comunicação, como também o comportamento repetitivo e obsessivo em maior proporção. O terceiro grau ou igualmente denominado de baixa funcionalidade, caracteriza-se por uma gravidade muito maior do espectro. Os comportamentos são mais inflexíveis, as habilidades sociais podem ser muito menores e a dependência é bem maior que nos demais níveis, fazendo com que seja fundamental o acompanhamento profissional a longo prazo, com maior frequência e intensidade.
O psicólogo Alexandre Brito traz recomendações para uma melhor qualidade de vida da pessoa com TEA em meio à pandemia.
Diagnóstico na primeira infância

Com a chegada de uma pandemia inesperada, muitas crianças precisaram se adaptar a mudanças radicais em suas vidas cotidianas. Crédito: Domínio Público.
O diagnóstico se dá por meio de análise comportamental clínica e é conduzida por profissionais capacitados para tal atividade. O laudo do TEA pode se dar em qualquer idade. A pessoa que está no espectro, necessita de estímulos para se desenvolver, precisa de tratamento multiprofissional (variando de acordo com o caso de cada pessoa) e o processo de desenvolvimento nas habilidades sociais é de extrema importância para a pessoa com autismo. Os comportamentos atípicos são tratados ao longo da vida a fim de que a pessoa tenha maior qualidade de vida.
O autismo pode ser percebido logo na primeira infância. A criança começa a demonstrar estereotipias e comportamentos que revelam um possível caso de transtorno do espectro autista. Algumas maneiras de uma criança manifestar o autismo são:
1. Ela não responde comandos
Um exemplo é quando os pais chamam o filho pelo nome e ele parece nem escutar. Esse modo de agir da criança, muitas vezes, levanta dúvidas se ela possui surdez e causa preocupação nos pais.
2. Não age por imitação
Todos nós carregamos por natureza o modo de agir por imitação. As crianças neurotípicas agem por imitação e continuam desenvolvendo essa característica, já as crianças atípicas possuem certa dificuldade em agir dessa forma e precisam ser estimuladas para desenvolver-se.
3. Extrema dificuldade com quebras de rotina
Ela fica perdida e se desorganiza inteira por conta da mudança de rotina.
4. Hiperfoco
Quando ela demonstra muita fixação por algo, tornando isso de certa forma uma obsessão. Por exemplo, gostar muito do filme do “Shrek”, só falar nisso, só desenhar isso e criar um mundo de “Shreks” na cabeça dela.
5. Falta de contato visual
Evitam demasiadamente olhar nos olhos das pessoas.
Quando o diagnóstico se dá ainda na infância, muitas situações na vida do portador são facilitadas, porém, várias pessoas descobrem o autismo na fase adulta, como é o caso de Nathalia Mattos. Em entrevista ao G1, ela relata seu alívio ao ser diagnosticada: “eu ainda tinha as mesmas crises, mesmas inseguranças, mesmas ansiedades e o sentimento de que não me encaixo. Sempre foi difícil de lidar. Então, fui procurar outra psicóloga para fazer o teste. Fiz a avaliação neuropsicológica que durou um mês e meio, e saiu meu resultado. Lá estava que eu era autista”.
Edição: Paulo Pessôa Neto.
Comments