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  • Por Aliana Machado e Alyne Taroco

Torcidas (des)organizadas: a diversão acaba quando o futebol não é a bola da vez

O drama de acompanhar seu time do coração e ter sua própria vida posta em risco

As principais torcidas organizadas do Paraná: Os Fanáticos, Império Alviverde e Fúria Independente (Crédito: Acervo Pessoal Alyne Taroco)

No primeiro domingo de junho, Flamengo e Palmeiras levaram 54.665 torcedores ao Mané Garrincha, em Brasília, o maior público registrado na atual edição do Campeonato Brasileiro. Mas, a partida, que poderia ter sido marcada apenas pelo grande público, virou destaque também pela confusão no intervalo.

Torcedores e jogadores sofreram com os efeitos do gás de pimenta, utilizado pela Polícia Militar na tentativa de evitar uma invasão de torcedores rivais a um setor destinado a rubro-negros. Como o spray foi lançado em uma área de circulação interna do estádio, logo se propagou pelas arquibancadas, chegando até ao gramado.

Uma cena gerou preocupação dos brigadistas: um menino cadeirante vestido com uma camisa do Palmeiras sendo carregado nos braços pelo pai, que chorava e beijava-lhe o rosto. O menino passa bem, mas a cena presenciada no Mané Garrincha é apenas um reflexo do que acontece frequentemente dentro e fora dos estádios.

Pai retira filho cadeirante do Mané Garrincha no colo após gás de pimenta ser lançado no estádio. (Crédito: Reprodução/Youtube/Thaaynara Araujo)

Casos como esse não são exclusividade em partidas de times do eixo Rio-São Paulo. Jovens depredam terminais e estações tubo, furtam camisas estilizadas da torcida rival e as exibem como troféus, trocam chutes e socos. Esses são alguns dos membros de uma torcida organizada, que excedem o amor ao time e dão lugar a violência e intolerância.

As principais torcidas organizadas do Estado do Paraná são Os Fanáticos, do Atlético Paranaense, Império Alviverde, do Coritiba, e a Fúria Independente, do Paraná Clube. Nessas torcidas, existem as Baterias, que formam uma espécie de orquestra com músicas exclusivas e promovem um show de alegria e incentivo aos jogadores.

Essas equipes são bem articuladas, possuem sedes, lojas física e online, site de notícias sobre o time e promovem eventos solidários por toda a Curitiba. Pronunciam-se contra os casos de violência e afirmam que uma torcida não pode ser julgada pela ação de uma minoria.

Em 2009, a ação dessas minorias ficou marcada na história do futebol brasileiro e também na vida do curitibano Anderson Rossa Moura. O motivo foi o de rebaixamento do Coritiba à Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro e o palco dessa tragédia foi o Couto Pereira, nos minutos finais da partida.

Na foto, Anderson antes do acidente. Ele ficou 19 dias na UTI entre a vida e a morte. (Crédito: Arquivo pessoal Anderson Moura)

Eu sou um milagre

Quem conhece esse rapaz de 26 anos de riso solto não imagina o que ele já teve de enfrentar na vida. Anderson Moura é um dos personagens da barbárie que aconteceu no fatídico dia 6 de dezembro. Segundo os médicos, o rapaz tinha 1% de chance de sobreviver, mas Anderson desafiou a medicina e hoje tem a oportunidade de contar sua história de superação.

Moura estava na arquibancada e um policial, a cinco metros de distância, não hesitou e deu um tiro de bala de borracha. O disparo acertou em cheio a sua cabeça. ‘’Jamais pensei que ele atiraria, e ele foi e atirou. Todos pensaram que eu havia morrido, eu perdi massa encefálica ainda no estádio’’, desabafa Moura.

A partir daí, a vida do ex-estudante de Gastronomia mudou de forma radical. Teve que reaprender a falar, andar e abriu mão de alguns dos seus sonhos. O jovem já atuava na área gastronômica quando sofreu o acidente, mas teve de largar tudo para lutar pela sua vida.

Em entrevista para a EntreVerbos, ele conta como foram os seus dias após a partida de futebol que mudou sua vida:

''Eles pensavam que eu ia morrer, uns até pensam que eu morri.'' (Crédito: Alyne Taroco)

Atualmente, para ajudar na renda da família, vende pães de queijo pelo bairro onde mora e voltou ao antigo emprego. Porém, Moura sofre de convulsões esporádicas e os médicos ainda não acharam explicação para isso.

O clube do Coritiba arca com as despesas de sua fisioterapia, mas Anderson precisa de cuidados especiais. Ele chegou a solicitar um plano de saúde para a diretoria, mas há dois meses segue esperando. A EntreVerbos entrou em contato com a assessoria de imprensa do clube, que não se pronunciou até o fechamento dessa matéria.

Anderson nunca mais frequentou o Couto Pereira, mas ainda acompanha seu time e coleciona diversos objetos do clube. (Crédito: Alyne Taroco)

Mesmo com todas as adversidades que enfrentou, o torcedor é bastante ativo, faz fisioterapia, natação e sempre tem um sorriso estampado no rosto. Segue planejando seu futuro e pensa em abrir seu próprio negócio, comprar sua casa, um carro e construir sua família.

Anderson se vê bastante empolgado com o futuro e o que este o reserva, já que a maior provação que passou mostrou-lhe que é capaz de superar os mais difíceis obstáculos. Confira aqui um vídeo amador que relata o momento do disparo.

''Já apanhei por estar vestida com o uniforme da torcida''

Segundo o livro ‘’Para entender: A Violência no Futebol’’, do sociólogo Mauricio Murad, as mulheres também estão mais presentes nos estádios, representando 15% do total. Pode-se notar que a agressão a esse público aumentou e representa uma morte das 15 que ocorreram no ano de 2015. Paralelamente, são elas que cooperam com os torcedores do sexo oposto, entrando com pacotes de cocaína e outras drogas, simplesmente porque não são revistadas.

Yasmin Obeid, de 26 anos, entrou para a torcida da Os Fanáticos em 2007, com apenas 17 anos. Ela diz que já chegou a ser agredida em diferentes circunstâncias. ‘’Já apanhei por estar vestida com o uniforme da torcida dentro e fora dos estádios. Apenas pela roupa que eu estava vestindo’’, conta.

Yasmin entrou para a torcida aos 17 anos e permaneceu por dois anos. Hoje, a garota tem 26 anos. (Crédito: Alyne Taroco)

Ela afirma que sempre foi bem tratada pelos rapazes da torcida, porém era proibida de falar com integrantes de torcidas rivais e que poderia até sofrer represálias se o fizesse. ‘’Eles eram cordiais e respeitadores, mas sempre me deixaram claro que eu não poderia ter amizade com torcidas rivais, que isso seria trair nossa torcida’’, afirma a moça.

Yasmin foi integrante da torcida até os 19 anos e diz que saiu por motivos familiares. ‘’Hoje em dia vou a jogos apenas por diversão, não participo mais de nenhuma torcida, mas digo que não existe lugar melhor para assistir aos jogos do que ao lado da Fanáticos. ’’

Em meio a tanto ódio, nem os jogadores se salvam

Muitas vezes, até os jogadores também podem sofrer ameaças da sua própria torcida. O jogador Walter, do Atlético Paranaense, foi intimidado pela Fanáticos em um vídeo publicado em uma rede social.

Neste vídeo o presidente da Os Fanáticos diz que faz tempo que Walter não rende em campo e que ele fez um gesto obsceno para a torcida. Ainda ressaltam que ou ele ‘’joga por amor ou vai jogar por terror ’’, e que deveria jogar com mais raça.

Além de palavras ofensivas durante toda a filmagem, o vídeo termina com alguns integrantes da torcida cantando ‘’’vamo’ correr, ‘vamo’ suar, se não o bicho vai pegar’’. Por fim, o atacante foi punido por indisciplina e a torcida da Os Fanáticos proibida de entrar no estádio com bandeiras e roupas da torcida, além de colocar bancos nos lugares destinados a eles.

Em entrevista para EntreVerbos, Walter afirma que o vídeo foi grave e que deixou sua família e amigos próximos bastante assustados. ‘’Isso foi perigoso e chato ao mesmo tempo’’, ressalta o jogador.

Walter revela que sofreu - e ainda sofre - preconceito; o alvo geralmente é a sua cor de pele e seu peso. (Crédito: Aliana Machado)

Entretanto, ele conversou com a torcida e resolveu todo mal entendido. “Graças a Deus está tudo certo agora”, desabafa. Ele ainda diz que na área em que atua é comum acontecer esse tipo de coisa.

Walter também conta que, em outro time no qual jogou, certa vez a torcida esperou no aeroporto para ofender todos os integrantes do time. O jogador declarou que em toda a sua carreira já sofreu muito preconceito, principalmente porque já esteve acima do peso e pela cor de sua pele.

Indagado sobre a rivalidade do Atlético- PR e do Coritiba, Walter afirma que vê essa disputa – quando saudável – animadora. ‘’Sem elas no estádio, o jogo fica sem graça e perde toda a beleza, é muito importante para nós essas torcidas presentes. ’’

O direito do cidadão de poder levar sua família nos estádios deve ser garantido, as pessoas esperam voltar bem para casa exatamente da maneira como saíram. É preciso esperar que o amor ao time não vire uma cultura de disseminação de ódio e intolerância e que a rivalidade fique apenas dentro de campo.

A lei é para todos

Torcedor preso após investigação da Polícia Civil (Crédito: Agência Brasil)

A rivalidade entre clubes é antiga, sendo que várias brigas são flagradas após clássicos, tornando-se, assim, o país recordista em número de óbitos por causa do futebol. Com isso, leis foram criadas a fim de diminuir os confrontos e agressões existentes no mundo das torcidas organizadas.

A lei tem como objetivo a adaptação de torcedores marginais ao ambiente social, incluindo-os de aspecto eficiente e saudável. Esta busca corrigir a conduta de torcedores delinquentes, mostrando-os que ter gosto pelo futebol não está relacionado à violência e ódio pela torcida rival.

Dentro dessas leis, os integrantes, sendo comprovada a sua participação em ato, deverão ser punidos com prestação de serviço à comunidade independente do horário, inclusive se for no horário do jogo do seu time ou em horário do jogo do time rival.

Ele também terá que reparar o dano, livre se não houver reparo. Essa punição é para todos os integrantes de torcidas organizadas, independentemente de cor, idade, sexo ou religião.

Dessa maneira, a lei coloca-os em um patamar de responsabilidade perante a comunidade sobre seus atos, seja ele integrante ou não de torcida organizada. O objetivo principal dessas leis é fazer com que o torcedor não deixe o amor pelo seu time se transformar em raiva pelo time adversário, não levando nenhum conflito para fora do estádio.

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