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  • Sabrina Fernandes

Um projeto de superação para além das quatro linhas


Ex participante do projeto atualmente é voluntária. (Foto: Redes sociais/Arquivo pessoal).

Uma mulher, uma história de superação, 15 meninas e um projeto. Sheila Silva Agapito, 32 anos, é idealizadora do Boleirinhas Kakau F.C, um projeto voltado à ensinar futebol para meninas de cinco a 14 anos. O motivo da iniciativa: ela acredita que pode mudar algo na vida das garotas. “Na minha infância sofri muitas coisas. Fome, frio, violência física, sexual e abandono. Foi através do esporte que eu vi que poderia mudar as estatísticas do meu futuro”, defende.

A infância e adolescência de Sheila vivida na cidade paulista de Itu foi bastante. Aos três anos de idade, Sheila teve o pai assassinado. Ficaram ela e a mãe, que cuidava de mais três crianças. Sem ter condições emocionais e financeira, sua mãe deu os filhos. Ela e as demais crianças passaram a morar com um casal. O pai adotivo abusava sexualmente de Sheila. A garota então voltou a morar com a mãe após o Conselho Tutelar a obrigar. “Apanhei muito, ela não tinha amor por mim”, desabafa.

Triste, abandonada e sem ninguém. São com essas palavras que Sheila define como foi quando resolveu fugir e morar na rua. “Era terrível. Aprendi a me defender, não deixava nenhuma criança me maltratar. Nas ruas, aprendi a ser amarga”. Tempos depois, voltou a morar com a mãe em Itu, e foi lá que teve seu primeiro contato com o futebol. “Um dia em um ginásio descobri o futebol e peguei gosto por ele. Conheci um técnico que me deu todo o uniforme e chuteira para não largar os treinos. Através desse momento ele me deu esperança, confiou em mim, me viu com amor e comecei a treinar. Era incrível, mudei demais”.

Aos 15 anos ela engravidou. Foi aí que deu um tempo com o futebol. Hoje em dia, casada e com o apoio do marido no projeto, ela retoma seu sonho, mas desta vez como treinadora. O nome Boleirinhas Kakau F.C. é uma homenagem de Sheila a uma amiga, que faleceu num acidente de moto. Kakau jogava com Sheila em um time chamado Boleiras F.C. O projeto existe há seis anos, e começou sem muita pretenção. “Era uma brincadeira de mãe e filha. Eu ia jogar com minhas meninas, aí começou a chegar às amigas delas e também as amigas das amigas. Vi que elas tinham vontade de aprender e também que isso era importante para elas”.

É nos “fundos” do bairro Capela Velha, em Araucária (PR), numa quadra pública municipal que 15 meninas participam dos treinos semanalmente aos sábados. O espaço não tem iluminação própria, apenas luz de ruas próximas. As que podem, pagam uma “mensalidade”. Três quilos de alimento não perecível que completa cestas básicas doadas por Sheila para a comunidade. As vezes, para as próprias alunas do projeto. Mesmo com o esforço, faltam mãos para dar apoio. "A falta de ajuda, as pessoas acreditarem no trabalho, acreditarem que através do esporte a vida das meninas pode mudar, não financeiramente, mas na questão de autoestima, caráter e a vontade de vencer”, desabafa Sheila, ao ser questionada sobre as principais dificuldades.

Outra problema recorrente é a falta de materiais de treino e a infraestrutura do local. “Ainda tenho muita dificuldade com materiais, principalmente bolas e cones, que fazem falta. Não temos um lugar nosso para treinar, onde treinamos não é fechado. Em dias de chuva e/ou sol quente não consigo treinar, não tem água”. Mesmo com os empecilhos, ela toca com garra o projeto. “É importante incentivar as mulheres. Destacar que elas são tão importantes quanto os homens. Que podemos fazer tudo que quisermos, que somos fortes. Ainda vivemos em uma sociedade onde muitos nos tratam diferente por ser mulher... por que não usar um esporte que ainda é considerado masculino, para que essas meninas sintam sua força de mulher?”, questiona Sheila.

O projeto na vida das meninas

A dona de casa Jaquecelli Chaves, 37, joga futebol desde pequena e já foi colega de quadra de Sheila. Hoje, são suas duas filhas, Larissa Gabriela Chaves, 12 anos, e Letícia Kauane Chaves Silveira, nove anos, que levam adiante o futebol como sonho, participando das aulas. “Quando a Sheila falou sobre o projeto, elas pediram para participar e estão até hoje”, conta Chaves sobre o entusiasmo das filhas.

A mãe também participa do projeto e treina com as meninas. (Foto: Jaqueceli Chaves/Arquivo pessoal.)

De acordo com a mãe, o benefício do projeto não fica restrito ao rendimento dentro de quadra, mas também no dia a dia. “O projeto ajudou bastante a terem disciplina, se darem melhor como irmãs. Isso vem impactando de forma positiva nos estudos, pois elas amam jogar e se sentem felizes com os treinos, e isso reflete no rendimento escolar”.

Mesmo não sendo o futebol profissional que tanto motiva o sonho das meninas, o projeto de Sheila é o vem contribuindo para elas possam desenvolver qualidades e mais tarde escolher se querem seguir essa carreira. Um desses exemplos é a estudante Evelyn Alves Dos Santos de 17 anos. Evelyn participou do projeto durante dois anos e hoje em dia continua treinando duas vezes na semana em um colégio na região. A gratidão pelo projeto e por Sheila é evidente. “Eu sou grata demais por essa mulher existir e sem ela eu não estaria onde estou hoje, eu não amaria mais e mais o futebol como eu amo hoje”.

Outro desses exemplos é a portuguesa Luana Maria Nascimento Ferreira de 15 anos. A atleta iniciou sua carreira aos dez anos treinando com meninos, e ficou apenas um mês no projeto de Sheila. “Esse tempo no projeto foi muito importante para mim. Eu estava parada, sem treinar, descobri o projeto através de umas colegas. Conversei com a Professora Sheila e entrei, uma semana depois teve um torneio, e a Sheila me convidou a participar, esse foi o meu primeiro torneio feminino, porque eu só disputava torneio masculino”.

Luana jogando pelo Imperial FC. (Foto: Next Academy.)

No início do ano, ela foi selecionada para o Imperial F.C, que fechou parceria com o Paraná Clube fut7. “Acredito que as portas se abriram por conta do projeto, porque eu estava sem treinar e a professora fez com que eu continuasse, sem desistir. Ela foi uma das pessoas que me fez acreditar que todo o meu esforço iria valer a pena, me incentivou a continuar lutando pelo meu sonho”.

A jovem atleta usa uma frase de Marta, jogadora da seleção brasileira e seis vezes melhor do mundo, como inspiração. “ ‘Vamos chorar no começo, para sorrir no final’ essa frase que me motiva mais ainda, é lembrando e falando essa frase que me dedico todos os dias nos treinos e nos jogos para que um dia eu possa realizar o meu maior sonho que é jogar na seleção brasileira”. Luana ainda finaliza com uma mensagem em homenagem ao das mulheres. “Eu desejo um feliz dia das mulheres a todas as guerreiras, que nunca desistam dos seus sonhos, porque um dia todo o seu esforço valerá a pena”.

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